Mensalão
mostra que autoridades podem ser condenadas, mas gera polêmica
Francisco Rezek
O
julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal, encerrado na segunda-feira
após 53 sessões, deixa uma lição simbólica de que é possível a condenação de
políticos, banqueiros e altos executivos, mas também a dúvida sobre a
influência política nas decisões dos ministros da mais alta corte do país.
Durante
quatro meses e meio, o plenário do STF julgou exclusivamente a ação penal, a
mais longa de sua história, que condenou 25 dos 37 réus julgados pelo que a
corte concluiu ser um esquema de compra de apoio político no Congresso no
início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Estamos
a ver o Supremo agindo com rigor e aplicando a lei como a sociedade deseja. No
passado, a condescendência era a regra, o deixa disso era a regra",
afirmou o ex-ministro do STF Francisco Rezek, que vê mudanças na ação do
tribunal, mas rejeita a tese de que o julgamento foi tendencioso. Os ministros
condenaram o operador do mensalão, o empresário Marcos Valério, a uma pena de
40 anos de prisão, e também José Dirceu, ex-ministro e homem forte do início do
governo Lula, a 10 anos de prisão. Três deputados também foram condenados,
entre eles o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP).
Para o doutor em direito penal e fundador da rede de ensino LFG, Luiz Flávio
Gomes, "houve um rigor fora da normalidade", com penas altas e
exemplares a muitos dos réus, que irá irradiar em outras cortes do país.
"Um exemplo é ver que Carlinhos Cachoeira foi condenado a 39 anos",
diz ele. "O colarinho branco vai começar a ter penas altas." O jurista
e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP Dalmo Dallari discorda da tese de
que os efeitos moralizadores irão repercutir em outras instâncias da Justiça.
Segundo ele, a fragilidade das decisões no caso do mensalão e o que acredita
ser condenações sem provas não deixarão juízes "à vontade" para
seguir o STF. "Fica muito evidenciado para mim que há fatores não
jurídicos na atuação de alguns ministros do STF", disse Dallari, que tem
ligações históricas com o PT. Para ele, a forma de avaliar as provas foi
"altamente questionável" e as decisões não se mostram inteiramente
jurídicas. "O Supremo Tribunal se afastou do princípio de guarda da
Constituição", avaliou. Críticos da atuação dos ministros citam
"coincidências", como a votação, às vésperas do primeiro turno das
eleições municipais, do núcleo político do esquema e da decisão sobre a
existência ou não de compra de apoio político no Congresso. A exposição
negativa dos nomes simbólicos do PT, no entanto, não funcionou como trunfo
eleitoral para a oposição. Gomes, da LFG, acredita que uma postura política do
tribunal era "inevitável". "O Supremo é um órgão eminentemente
político e, neste caso, eles foram mais políticos." Segundo ele, houve
também exageros, como as tentativas de fazer uma lei mais rígida retroagir para
ser aplicada aos réus, além de falas durante os votos que foram "momentos
de abusos patentes" frente às câmeras da TV Justiça. Exemplos foram as
frases de Marco Aurélio Mello, ao citar a formação de uma "quadrilha de
13", que seria um número "sintomático" --13 é a legenda do PT--
ou a fala de Ayres Britto de que o mensalão foi "um golpe" na
democracia. Os ministros mais atacados pelos excessos condenatórios por
simpatizantes do PT e mesmo por especialistas foram o relator e hoje presidente
da corte, Joaquim Barbosa, e Luiz Fux. Até mesmo o decano Celso de Mello foi
mais de uma vez confrontado com o que seria uma revisão em suas posições tanto
no caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello, de 1994, quanto na defesa de
que o STF pode determinar perda de mandato dos deputados. Do outro lado, os
ministros Ricardo Lewandowski, revisor da ação, e Dias Toffoli foram atacados
por estabelecerem penas mais baixas, que poderiam levar à prescrição. Toffoli,
também atacado por ter trabalhado com um dos réus, José Dirceu, e ter ocupado o
cargo de advogado-geral da União no governo Lula, chegou a criticar a dureza
das penas aplicadas e defendeu penas alternativas, afirmando que tratava-se de
"pessoas que não são violentas". Naquela que foi talvez a mais alegórica
das inúmeras trocas de farpas públicas entre revisor e relator, Barbosa acusou
Lewandowski de "advogar" para as defesas e, em troca, ouviu do colega
que ele faria "parte da promotoria". Para os especialistas e até
mesmo ministros do Supremo, a ação penal do mensalão mostrou que a corte mudou
desde a década de 1990, quando ocorreu outro julgamento histórico no tribunal,
a ação penal que absolveu o ex-presidente Collor. "Como poderia um
tribunal não mudar em 20 anos, se os anseios da sociedade mudam?", questionou
à Reuters o presidente do STF, Joaquim Barbosa. Rezek --que fazia parte do
tribunal à época do julgamento de Collor, mas se declarou impedido de votar por
ter sido chanceler do ex-presidente-- acredita que "o Supremo realmente
mudou, ele se tornou mais severo, mais frio na aplicação da lei".
"Mas acima de tudo, o caso Collor era completamente diferente na natureza
dos fatos... Não se mostrou nenhuma contraprestação do presidente Fernando
Collor", argumentou Rezek. O decano do STF, que votou à época pela
absolvição de Collor e foi bastante duro nas penas do mensalão, rebate a tese
de que houve revisão da jurisprudência do tribunal desde aquele caso. Segundo
Celso de Mello, a denúncia atribuiu a acusação de corrupção passiva ao
ex-presidente mas não indicou qual o ato de sua competência ele teria feito ou
deixado de fazer para receber a vantagem indevida. "O MP dizia no Caso
Collor que aquele Fiat Elba, aquela vantagem indevida, foi oferecida ao
ex-presidente para que praticasse tal e qual ato de sua própria competência ou
se abstivesse de praticar... O MP não fez isso na denúncia", disse o
ministro, afirmando que a absolvição não foi por falta de provas, mas pela não
indicação do chamado ato de ofício. "Neste caso (mensalão), o Ministério Público,
ao formular a ação penal, fez indicação do ato de ofício... que consistiu na
promessa de vantagem feita em razão da votação parlamentar", completou.
Segundo Gomes, o STF precisa cuidar para não cair em exageros ainda maiores,
como o de determinar a prisão dos condenados antes do trânsito em julgado --que
pode levar mais de um ano para ocorrer. "O Supremo nunca fez isso com
ninguém, seria exagero", disse. O pedido de prisão imediata, feito nas
considerações finais da denúncia e reiterado ao longo do julgamento, foi
retirado na última sessão pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel,
quando o decano pediu que o tema entrasse na pauta. Alegando querer fundamentar
melhor o texto, disse que o apresentaria ao final do julgamento. Há o temor
entre as defesas, entretanto, que o pedido seja feito durante o recesso do
Judiciário, que se inicia na quinta, e a decisão acabe sendo tomada de maneira
monocrática pelo presidente.
Fonte:
Portal Terra
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