quinta-feira, 20 de dezembro de 2012



 
Mensalão mostra que autoridades podem ser condenadas, mas gera polêmica

 Francisco Rezek 


O julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal, encerrado na segunda-feira após 53 sessões, deixa uma lição simbólica de que é possível a condenação de políticos, banqueiros e altos executivos, mas também a dúvida sobre a influência política nas decisões dos ministros da mais alta corte do país.
Durante quatro meses e meio, o plenário do STF julgou exclusivamente a ação penal, a mais longa de sua história, que condenou 25 dos 37 réus julgados pelo que a corte concluiu ser um esquema de compra de apoio político no Congresso no início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Estamos a ver o Supremo agindo com rigor e aplicando a lei como a sociedade deseja. No passado, a condescendência era a regra, o deixa disso era a regra", afirmou o ex-ministro do STF Francisco Rezek, que vê mudanças na ação do tribunal, mas rejeita a tese de que o julgamento foi tendencioso. Os ministros condenaram o operador do mensalão, o empresário Marcos Valério, a uma pena de 40 anos de prisão, e também José Dirceu, ex-ministro e homem forte do início do governo Lula, a 10 anos de prisão. Três deputados também foram condenados, entre eles o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP). Para o doutor em direito penal e fundador da rede de ensino LFG, Luiz Flávio Gomes, "houve um rigor fora da normalidade", com penas altas e exemplares a muitos dos réus, que irá irradiar em outras cortes do país. "Um exemplo é ver que Carlinhos Cachoeira foi condenado a 39 anos", diz ele. "O colarinho branco vai começar a ter penas altas." O jurista e ex-diretor da Faculdade de Direito da USP Dalmo Dallari discorda da tese de que os efeitos moralizadores irão repercutir em outras instâncias da Justiça. Segundo ele, a fragilidade das decisões no caso do mensalão e o que acredita ser condenações sem provas não deixarão juízes "à vontade" para seguir o STF. "Fica muito evidenciado para mim que há fatores não jurídicos na atuação de alguns ministros do STF", disse Dallari, que tem ligações históricas com o PT. Para ele, a forma de avaliar as provas foi "altamente questionável" e as decisões não se mostram inteiramente jurídicas. "O Supremo Tribunal se afastou do princípio de guarda da Constituição", avaliou. Críticos da atuação dos ministros citam "coincidências", como a votação, às vésperas do primeiro turno das eleições municipais, do núcleo político do esquema e da decisão sobre a existência ou não de compra de apoio político no Congresso. A exposição negativa dos nomes simbólicos do PT, no entanto, não funcionou como trunfo eleitoral para a oposição. Gomes, da LFG, acredita que uma postura política do tribunal era "inevitável". "O Supremo é um órgão eminentemente político e, neste caso, eles foram mais políticos." Segundo ele, houve também exageros, como as tentativas de fazer uma lei mais rígida retroagir para ser aplicada aos réus, além de falas durante os votos que foram "momentos de abusos patentes" frente às câmeras da TV Justiça. Exemplos foram as frases de Marco Aurélio Mello, ao citar a formação de uma "quadrilha de 13", que seria um número "sintomático" --13 é a legenda do PT-- ou a fala de Ayres Britto de que o mensalão foi "um golpe" na democracia. Os ministros mais atacados pelos excessos condenatórios por simpatizantes do PT e mesmo por especialistas foram o relator e hoje presidente da corte, Joaquim Barbosa, e Luiz Fux. Até mesmo o decano Celso de Mello foi mais de uma vez confrontado com o que seria uma revisão em suas posições tanto no caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello, de 1994, quanto na defesa de que o STF pode determinar perda de mandato dos deputados. Do outro lado, os ministros Ricardo Lewandowski, revisor da ação, e Dias Toffoli foram atacados por estabelecerem penas mais baixas, que poderiam levar à prescrição. Toffoli, também atacado por ter trabalhado com um dos réus, José Dirceu, e ter ocupado o cargo de advogado-geral da União no governo Lula, chegou a criticar a dureza das penas aplicadas e defendeu penas alternativas, afirmando que tratava-se de "pessoas que não são violentas". Naquela que foi talvez a mais alegórica das inúmeras trocas de farpas públicas entre revisor e relator, Barbosa acusou Lewandowski de "advogar" para as defesas e, em troca, ouviu do colega que ele faria "parte da promotoria". Para os especialistas e até mesmo ministros do Supremo, a ação penal do mensalão mostrou que a corte mudou desde a década de 1990, quando ocorreu outro julgamento histórico no tribunal, a ação penal que absolveu o ex-presidente Collor. "Como poderia um tribunal não mudar em 20 anos, se os anseios da sociedade mudam?", questionou à Reuters o presidente do STF, Joaquim Barbosa. Rezek --que fazia parte do tribunal à época do julgamento de Collor, mas se declarou impedido de votar por ter sido chanceler do ex-presidente-- acredita que "o Supremo realmente mudou, ele se tornou mais severo, mais frio na aplicação da lei". "Mas acima de tudo, o caso Collor era completamente diferente na natureza dos fatos... Não se mostrou nenhuma contraprestação do presidente Fernando Collor", argumentou Rezek. O decano do STF, que votou à época pela absolvição de Collor e foi bastante duro nas penas do mensalão, rebate a tese de que houve revisão da jurisprudência do tribunal desde aquele caso. Segundo Celso de Mello, a denúncia atribuiu a acusação de corrupção passiva ao ex-presidente mas não indicou qual o ato de sua competência ele teria feito ou deixado de fazer para receber a vantagem indevida. "O MP dizia no Caso Collor que aquele Fiat Elba, aquela vantagem indevida, foi oferecida ao ex-presidente para que praticasse tal e qual ato de sua própria competência ou se abstivesse de praticar... O MP não fez isso na denúncia", disse o ministro, afirmando que a absolvição não foi por falta de provas, mas pela não indicação do chamado ato de ofício. "Neste caso (mensalão), o Ministério Público, ao formular a ação penal, fez indicação do ato de ofício... que consistiu na promessa de vantagem feita em razão da votação parlamentar", completou. Segundo Gomes, o STF precisa cuidar para não cair em exageros ainda maiores, como o de determinar a prisão dos condenados antes do trânsito em julgado --que pode levar mais de um ano para ocorrer. "O Supremo nunca fez isso com ninguém, seria exagero", disse. O pedido de prisão imediata, feito nas considerações finais da denúncia e reiterado ao longo do julgamento, foi retirado na última sessão pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, quando o decano pediu que o tema entrasse na pauta. Alegando querer fundamentar melhor o texto, disse que o apresentaria ao final do julgamento. Há o temor entre as defesas, entretanto, que o pedido seja feito durante o recesso do Judiciário, que se inicia na quinta, e a decisão acabe sendo tomada de maneira monocrática pelo presidente.

Fonte: Portal Terra

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