Joaquim Barbosa toma posse como primeiro presidente negro do STF
Joaquim Barbosa
O primeiro ministro declaradamente negro do Supremo Tribunal Federal (STF) é também um dos mais populares. Aos 58 anos de idade e com um temperamento explosivo, Joaquim Barbosa ganhou fama de herói nacional e conquistou muitos fãs nas redes sociais ao pedir, como relator do processo do mensalão, a condenação de políticos envolvidos no esquema de corrupção instaurado no Congresso Nacional. Na próxima quinta-feira (22/11), Barbosa deixará mais uma vez o nome marcado na História: ele se tornará oficialmente o primeiro negro a presidir a mais alta corte do país. Com a aposentadoria do ministro Ayres Britto, o STF usou o tradicional critério de antiguidade no tribunal para eleger o novo presidente, que cumprirá um mandato de dois anos. Tradicionalmente, assume o ministro mais antigo na casa que ainda não tenha presidido a corte. Barbosa chegou ao cargo de ministro do STF em 2003 por meio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava decidido a indicar um negro para a suprema corte. "Quando a gente fala que não tem preconceito, que não existe discriminação racial no Brasil, tem sim. Porque não foi fácil encontrar um negro que estivesse à altura para indicar para a suprema corte", afirmou Lula, anos após a indicação, em uma entrevista. A constatação do ex-presidente encontra respaldo em levantamentos sobre a posição dos negros na sociedade brasileira. Mais de 120 anos após o fim da escravidão no Brasil, as oportunidades de acesso à educação e à renda ainda não são as mesmas para pessoas de diferentes cores de pele – apesar dos avanços nos últimos anos, reconhecem especialistas. De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Educação, no ano passado apenas cerca de 10% dos jovens negros (autodeclarados pardos e pretos) entre 18 e 24 anos cursavam ou haviam concluído um curso superior. Entre os brancos, esse índice sobe para 25,6%. O tempo médio de estudos dos negros, 6,7 anos, também é menor do que o da população autodeclarada branca, de 8,4 anos. O professor Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), ressalta ainda que os negros são maioria nos setores onde há maior desrespeito às leis trabalhistas e maior exploração. No trabalho doméstico, por exemplo, 68% são negros – e a maioria, mulheres. Por isso, segundo ele, a posse de Barbosa na próxima quinta-feira tem uma dimensão simbólica. Ele ressalta, porém, que o Brasil está apenas começando a dar início às políticas de inclusão da população negra. "Reconhecemos que existe uma classe média negra emergente no Brasil e que há alguns ganhos, como Gilberto Gil e Benedita da Silva como ministros. Mas ainda há muito a ser feito no que diz respeito a políticas públicas", afirma Inocêncio. Além de um invejável currículo, não deixando dúvidas de que se tratava de um candidato extremamente qualificado, Joaquim Barbosa tinha na bagagem uma história de superação. Ele venceu as dificuldades de ter nascido numa família carente, na pequena cidade de Paracatu, em Minas Gerais, dedicando-se aos estudos. Desde pequeno, Barbosa se dividia entre os livros e os trabalhos na olaria do pai. Anos depois, ele se formaria em Direito pela Universidade de Brasília, onde também concluiria um mestrado, ainda na década de 1980. Barbosa fez um doutorado em Direito Público na Universidade de Paris. Deu aulas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e em universidades em Nova York e Los Angeles. Antes de virar ministro do STF, Joaquim Barbosa atuou por quase 20 anos no Ministério Público Federal. No fim da década de 70, ele foi oficial de chancelaria durante três anos e chegou a trabalhar na Embaixada do Brasil na Finlândia. Barbosa é fluente em francês, inglês, alemão e espanhol. Na época da posse no STF, em 2003, o próprio ministro afirmou ver sua indicação como "um ato de grande significação, que sinaliza para a sociedade o fim de certas barreiras visíveis e invisíveis". Barreiras que Luislinda Valois, 69 anos, conhece bem. Em 1984, ela se tornou a primeira juíza negra do Brasil. Neta de escravos, vinda de família pobre, Luislinda conta que seu caminho para ascender na carreira jurídica na Bahia – um dos estados brasileiros com a maior proporção de negros na população – foi muito difícil. Ela conta que, quando criança, chegou a ouvir de um dos professores que desistisse de estudar e "fosse servir feijoada na casa de branco". Mas seguiu em frente e é hoje uma das grandes defensoras de cotas para negros também no serviço público – que estão sendo avaliadas pelo governo. "Segmentos historicamente tratados como desiguais precisam de políticas desiguais até que se equiparem", concorda Inocêncio. A Associação dos Magistrados do Brasil não tem um levantamento sobre o número de negros na magistratura, mas Luislinda acredita que ele fica bem aquém das possibilidades e que o preconceito ainda é o maior desafio. Segundo ela, os negros sofrem discriminação em provas orais de concursos públicos."Aconteceu duas vezes com meu filho nos concursos para juiz e para promotor na Bahia", diz. "Não nos querem dar a oportunidade para que consigamos ocupar lugar de comando e decisão. Para ser desembargadora na Bahia, por exemplo, eu tive que entrar na Justiça para ter meu direto garantido", conta Luislinda, que também acredita sofrer preconceito por ser adepta do candomblé. Nesta quinta-feira, ela e o filho, que hoje atua como promotor de Justiça em Sergipe, estarão em Brasília para assistir à cerimônia de posse de Barbosa. E celebrar a simbolismo do fato.
Fonte: DW - Autora: Mariana Santos - Revisão: Alexandre Schossler
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